Regime Jurídico do Maior Acompanhado

A Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, veio eliminar os institutos da interdição e da inabilitação, criando um novo regime, o do maior acompanhado. Crê-se que a intenção por detrás deste novo instituto seja a de conferir maior dignidade aos casos em que se aplica, colocando fim a um preconceito ou estigma já associado aos conceitos anteriormente em vigor. Para além disto, o que se pretende é a garantia do bem- estar do beneficiário e a sua reabilitação e integração na sociedade.
Neste sentido, beneficia deste novo regime a pessoa maior que não possa exercer de forma plena, pessoal e consciente os seus direitos, nem dar cumprimento aos seus deveres e obrigações, por motivos ligados à saúde, a uma deficiência ou mesmo ao seu comportamento. Esta pessoa maior pode, ela própria, requerer a aplicação deste novo regime ou autorizar que este seja requerido por outras pessoas, designadamente, pelo cônjuge, pelo unido de facto ou por qualquer parente sucessível. Por sua vez, o MP tem o direito a requerer a aplicação do regime, sem necessidade de autorização por parte do beneficiário.
Este regime pode ser requerido ainda na menoridade, concretamente, no ano imediatamente anterior à passagem para a maioridade, produzindo efeitos só a partir desta. Neste caso, até ao trânsito em julgado da decisão, as responsabilidades parentais ou a tutela que vigorem na menoridade permanecem inalteradas. Por outro lado, durante a maioridade, este acompanhamento pode ser requerido a todo o tempo.
A figura do acompanhante pode ser escolhida pelo beneficiário ou pelo seu representante sendo que, na falta de opção expressa, é designada a pessoa que melhor proteger os interesses do beneficiário. A lei elabora uma lista de possíveis acompanhantes, cuja ordem é meramente indicativa, e que inclui o cônjuge não separado judicialmente ou de facto, os progenitores, a pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, os filhos maiores, os avós, a pessoa designada pela instituição em que o beneficiário esteja inserido, o mandatário a quem o beneficiário tenha conferido poderes de representação e, um último caso, qualquer outra pessoa idónea.
O Tribunal pode atribuir o estatuto de acompanhante a mais do que uma pessoa, conferindo funções distintas a cada uma delas. Note-se, ainda, que, uma vez designados como acompanhantes, os cônjuge, os ascendentes e os descendentes não se podem escusar nem ser exonerados da função. Não obstante, os descendentes podem, após 5 anos, pedir a exoneração do cargo, mas apenas se existirem outros descendentes igualmente idóneos.
Os demais acompanhantes podem pedir escusa da função, com base em fundamentos concretos ou podem, ao final de 5 anos, solicitar a substituição. Nos termos gerais, a remoção ou exoneração do acompanhante são em tudo idênticas à remoção ou exoneração do tutor, isto é, ocorrem quando haja incumprimento dos deveres próprios do cargo de acompanhante ou inaptidão para o seu exercício.
De todo o modo, e seja quem for o acompanhante, durante o exercício dessa função, exige-se a manutenção de um contacto próximo com o acompanhado, estabelecendo-se como mínimo admissível a periodicidade mensal de visitas, embora o Tribunal possa fixar qualquer outra.
Relativamente à situação de acompanhamento propriamente dita, esta não deve ser demasiado extensiva, abrangendo apenas o mínimo indispensável. No entanto, e se o Tribunal assim o entender, este acompanhamento pode alargar-se a situações mais específicas, como o exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, a representação, a administração de bens, a autorização para a prática de determinados atos ou outras intervenções devidamente explicitadas.
O acompanhado é livre de exercer os seus direitos pessoais (casar, constituir situações de união, procriar, perfilhar, adotar, cuidar e educar filhos e adotados, escolher uma profissão, viajar, fixar domicilio ou residência, estabelecer relações com quem entender, testar, entre outros) e de celebrar negócios da vida corrente, a menos que algum preceito legal ou alguma concreta decisão judicial o impeça de o fazer. O maior acompanhado só pode ser sujeito a internamento se existir uma autorização judicial nesse sentido, embora, em caso de urgência, esta medida possa ser solicitada apenas pelo acompanhante, ficando dependente de ratificação judicial. 
O acompanhamento é exercido de forma gratuita, ainda que possam ser alocadas despesas, dependendo da condição do acompanhado e do acompanhante, sendo que este último tem sempre que prestar contas ao primeiro e ao Tribunal no momento da cessação de funções ou mesmo na sua pendência, se tal for determinado judicialmente.
O processo de acompanhamento assume um caráter urgente e aplicam-se, com as necessárias adaptações, os termos da jurisdição voluntária. A publicidade do processo corresponde ao estritamente necessário para a defesa dos interesses do acompanhado ou de terceiros, podendo ser diferente conforme se esteja no início, decurso ou final do processo e por determinação do Tribunal. Ocorre cessação ou alteração do acompanhamento também por meio de decisão judicial, sendo que os efeitos podem retroagir-se à data em que se verificou a cessação ou alteração da causa que lhe serviu de fundamento.
Quanto às medidas de acompanhamento, estas devem ser periodicamente revistas pelo Tribunal, sendo a periodicidade fixada na sentença, ainda que tenha que respeitar o mínimo exigido, que é o da revisão a cada 5 anos. Ora, todos os atos praticados pelo acompanhado que não estejam em conformidade com estas medidas são anuláveis se forem posteriores ao registo do acompanhamento ou ao anúncio do início do processo. Neste último caso, só haverá anulabilidade se, a final, o acompanhamento for decretado e os atos praticados forem prejudiciais ao beneficiário.
Fora do âmbito deste processo e, de forma a acautelar uma eventual futura decisão de acompanhamento, o maior pode celebrar um mandato com vista à gestão dos seus interesses, podendo este ser celebrado com ou sem poderes de representação, seguindo o regime geral aplicável e especificando os direitos envolvidos e o âmbito da representação. Este mandato é livremente revogável por parte do mandante. Quando e se o acompanhamento vier a ser efetivamente decretado, o Tribunal aproveita total ou parcialmente esse mandato, tomando-o em consideração tanto na fixação do âmbito de proteção como no momento de indicar o acompanhante. O Tribunal pode, ainda, revogar este mandato, caso entenda que se mostra razoável presumir que é essa a vontade do mandante.
Por fim, a lei em análise entra em vigor no dia 10 de fevereiro de 2019, sendo imediatamente aplicável a todos os processos de interdição ou inabilitação que se encontrem pendentes nessa data. Relativamente às interdições decretadas em momento anterior à sua entrada em vigor, o presente regime é aplicável, sendo atribuídos ao acompanhante poderes gerais de representação. Às inabilitações nessas mesmas circunstâncias é igualmente aplicável o regime, cabendo ao acompanhante autorizar os atos que eram antes submetidos para aprovação do curador. Refira-se que os tutores e curadores nomeados ao abrigo do anterior regime, passam a ser acompanhantes, nos termos e para os efeitos da presente lei.

- Inês Oliveira Silva 

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