A Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, e as alterações ao regime da insolvência
rna a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, sobre os regimes de reestruturação preventiva, o perdão de dívidas e as inibições, e sobre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos relativos à reestruturação, à insolvência e ao perdão de dívidas.
Atentando apenas no que diz respeito ao regime da insolvência, destacamos as seguintes alterações, que nos parecem ser as mais relevantes no que concerne aos seus efeitos práticos:
O período de cessão de rendimentos com vista à exoneração do passivo restante passa de cinco para três anos.
Trata-se do período durante o qual o insolvente se obriga a cumprir as obrigações que lhe são fixadas, designadamente de prestar informações sobre os seus rendimentos e alterações relevantes, bem como de entregar ao Fiduciário – para posterior pagamento aos credores – todo o montante que exceda o valor inicialmente fixado e que é considerado necessário à sua subsistência.
Anteriormente, este período era de cinco anos, o que obrigava o devedor a sujeitar-se a estas obrigações durante um período de tempo significativo; em contrapartida, e sendo todas as obrigações integralmente cumpridas, no final dos cinco anos era concedida ao devedor a exoneração do passivo restante: a exoneração de todas as dívidas anteriores (com algumas exceções), com vista a permitir ao insolvente um “fresh start”, libertando-se das dívidas que não tinha tido capacidade para cumprir.
Com a entrada em vigor da nova Lei, este período passa a três anos. É assim um pequeno sacrifício – bastante pequeno, até – que permitirá “limpar”, como se nada fosse, todas as dívidas constituídas anteriormente.
Sem prejuízo, com a nova Lei surge ainda uma nova possibilidade: findos os três anos, caso as obrigações do devedor não tenham sido integralmente cumpridas e esteja por isso em risco a concessão da exoneração do passivo restante, é possível, mediante requerimento fundamentado do devedor, de algum credor, do Administrador da Insolvência ou do Fiduciário, a prorrogação do período de cessão até ao máximo de três anos.
Isto é, caso o devedor não tenha cumprido todas as obrigações que sobre si impendiam ao longo dos três anos do período de cessão – por exemplo, se não entregou todos os montantes que auferiu e que excediam o rendimento fixado – pode ser requerida a prorrogação do período de cessão para que o devedor tenha uma última oportunidade de cumprir – por exemplo, entregando o referido montante em prestações.
Anteriormente, após o encerramento do processo de insolvência (na maior parte dos casos, simultâneo do despacho inicial de exoneração – o despacho que determina o início do período de cessão –, não era possível liquidar e vender mais bens do insolvente. O valor obtido com a venda dos bens apreendidos e vendidos antes do encerramento visa o pagamento aos credores; no entanto, caso após o encerramento do processo viessem a entrar no património do devedor outros bens, nada podia ser feito, e os mesmos já não seriam vendidos para pagamento aos credores. Podia assim dar-se o caso de, depois do encerramento e ainda no decurso do período de cessão, o insolvente herdar inúmeros imóveis, mas os mesmos não seriam apreendidos para a massa insolvente e vendidos, porque o processo de insolvência já tinha sido encerrado.
Com a nova Lei, passa a ser possível, durante o período de cessão, o Fiduciário apreender e vender bens que entrem no património do insolvente durante esse período, afetando o produto da venda ao pagamento aos credores.
Trata-se assim de uma pequena vantagem concedida aos credores, talvez para compensar os prejuízos decorrentes da diminuição do período de cessão.
Importa ainda salientar que as alterações se aplicam aos processos em curso. Assim, naqueles que, à data da entrada em vigor da Lei, tinham já decorrido três anos desde o despacho inicial de exoneração, o referido período cessa de imediato; nos demais, aplica-se também automaticamente a redução de cinco para três anos.
Fica assim mais fácil e mais rápida a exoneração das dívidas das pessoas singulares, o que trará certamente um aumento do recurso a este instituto, que se torna mais (demasiado, na nossa ótica) apelativo. Esperamos assim que o controlo do cumprimento das obrigações pelos insolventes seja assegurado, designadamente através dos novos mecanismos ora criados, com vista a evitar um prejuízo ainda maior para os credores, que se veem já suficientemente prejudicados pelas alterações introduzidas.
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